Resenha NIN – Ghosts I-IV / The Slip

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NIN – Ghosts I-IV / The Slip

Banda de Trent Reznor lança álbuns independentes com fantasmas sociopatas e orgasmos pós-starfuckers
26.05.08 17:10
Era o ano de 1999. O flyer do Madame Satã estampava, naquela estética metal-vintage (pra não dizer brega), Especial NIN – o “n” final é invertido e espelhado, em alguma referência simbólica ainda oculta para o Google. O mosquitus geek já me picara na época. Mas as ferramentas ainda eram por demais anacrônicas pra minha sede de superficialidade musical. Ainda brincava de Yahoo search e Napster. E “Head Like A Hole” veio. Depois de um dia, e a percepção de que o mundo, em uma velocidade de 1,3 Kb/s, jamais alcançaria minhas sinapses cerebrais.

Foi o bastante: eu já tinha o prelúdio do que seriam as obviedades de toda arte que se quer politizada, acompanhadas por uma pira sonora e soturna que, se expressadas textualmente, desmentiria a sentença anterior. Michael Trent Reznor seria o último dos meus leadsingers, o único herói que não morrera de overdose e, acometido da síndrome dualista da contracultura, resolvera apostar como Bono que outro mundo era possível.

Só que não soou otimista. Da estética monster, desconstruída do punk, veio o rock industrial herdado de contradições simplórias, mas não menos idealizadas, de lutas de classes pré-capitalistas. Junto, trouxe o ceticismo pós-moderno. E NIN virou a síntese da complexidade de composições que superaram o marxismo; politizadas, mas individualistas. Quase um rasgo social, quase um prenúncio da sociopatia.

Mas surgiu o mundo Last.fm. Fez-se a tag. E depois de superar a fase starfuckers (veja box), Reznor aprendeu. Libertou-se das grandes gravadoras e The Slip, que atesta sua alcunha industrial synthpop desde Pretty Hate Machine (1989), chegou. O álbum que faz o Madame parecer futurista e hoje transforma a Torre num tributo ao passado veio, com suas dez faixas no Creative Commons, despreendido no MySpace e Torrents da vida. Versões físicas em CD e vinil estão previstas para julho.

A velocidade chegou a 1GB, junto com individualismo. Experimentações do-it-yourself aliadas com alguma inteligência, fez também o Ghosts I-IV, lançado em março desse ano. Uma piração instrumental, com 36 faixas e duas horas de pura catarse, que chega lembrar a frenética trilha de Twin Peaks (David Lynch; 1991), criada pelo compositor Angelo Badalamenti, com sintetizadores barulhentos que acompanhavam a investigação quebra-cabeça de quem teria matado Laura Palmer.

É um substrato impressionante pra remixes, que não tardarão a chegar. “Trilha para dias de sonho, baseadas em uma perspectiva audiovisual”, como apresentou o próprio Reznor. Mas Ghosts também não é nada a mais do que já não fora assinalado antes, em canções como “The Frail” e “The Wretched” (The Fragile; 1999). Pra quem viu a virada das duas no DVD de “All Could Have Been”, lançado em 2002, não deixaria nenhum espectro falar que é novidade de 2008. Tão soturno, barulhento e noir como sempre foi o Nine Inch Nails.

Sem anúncio de que seriam lançadas, as faixas do Ghosts I-IV foram surgindo aos mais atentos no maispece. Mas algo totalmente esperado, no entanto, a não ser o fato de que Reznor nomeou bem dessa vez e criou forma, estética, e distribuição fácil de serem tachadas como experimental. Esses dois álbuns foram lançados pela The Null Corporation, selo criado para fugir das majors e para cuidar do canal da banda no YouTube, e que, fugindo dos moldes tradicionais, distruibui subcontratos para outras gravadoras. A idéia de um selo “lançando” esses trabalhos soa até um pouco estranha, ainda mais com a banda licenciando esses trabalhos pela democrática Creative Commons. Ouça no simpático player abaixo – devidamente fornecido pela banda em si – as faixas de Ghosts I-IV.

THE SLIP: De volta ao espectro do existencialismo
O disco já começa com um binário sombrio-frenético, nos 10s de “999,999” para a pesada “1,000,000”. Mas é em “Discipline” que está a aposta de um novo single, candidata pra pistas, dançante, ao gosto do hit “Closer” (1994). Sem ser libidinosa nem SM, mas levada por uma bateriazinha – que lembra o famigerado refrão “I wanna fuck you like an animal” -, e aliada a uma vontade de responder passivamente um “you can”. “Discipline” questiona relações, bem NIN, niilista – diferente do que foi o antibush Year Zero (2005).

“Echoplex” segue numa baladinha. Com “Head Down” e “Demon Seed” dando um show de distorções até “Lights in the Sky”, com piano, harmonia atonal, e um Reznor entoando um sussurro melancólico. Em “Corona Radiata”, voltamos pro Ghosts e a reprodução de um ambiente planetário, no melhor de música de fone para olhar paisagem.

The Slip atesta as variações pesadas, leves e experimentais em um álbum que não tem necessariamente um conceito. Longe do que foi o seu predecessor experimental, Ghosts – que, apesar de custar US$ 300 em sua edição de luxo e soar muitas vezes um pedaço de cada música do NIN já lançada – tem uma forma, e abre, tanto no seu lançamento quanto em sua experimentação musical, outras perspectivas para a banda e a indústria fonográfica, atualmente em fase de mutação.

The Slip: 4.0
Ghosts I-IV: 4.8

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